EDIÇÃO 153 - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2016
PAIS E FILHOS, AMIGOS PARA SEMPRE. MITO OU REALIDADE?
“Os pais procuram ser amados pelos filhos e isso muitas vezes atrapalha a espontaneidade do gesto”
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SESSÕES
Fique por dentro
A psicóloga Fátima Fontes diz que imaginar que os pais são os melhores amigos dos filhos é uma “doce ilusão”, pois os melhores amigos de nossos filhos são escolhidos por eles conforme a faixa etária ou afinidades.
Mas é possível ser amigo de verdade de um filho, uma vez que todos os que se aventuram no desafio da paterno-maternidade cometem erros que nem sempre são perdoados? Segundo a “parábola do filho pródigo”, contada por Jesus sobre a relação entre um pai e seus dois filhos e registrada em Lucas 15.11-32, parece que sim. Nela encontram-se algumas marcas essenciais para uma amizade duradoura entre pais e filhos, e essas marcas parecem predominar mais nos pais do que nos filhos.
1. Perceber e respeitar as inquietações dos filhos (vv. 12 e 13). O garoto vivia uma vida confortável na fazenda do pai, mas possuía uma inquietação natural, humana, de descobrir o que havia do lado de fora da porteira. Em sua juventude ousada, decidiu que iria correr o risco da aventura. Naturalmente, precisava de dinheiro e pediu ao pai, que não hesitou em apoiá-lo no projeto, mesmo sabendo dos riscos que ele correria. O processo de amizade duradoura entre pais e filhos passa pela percepção e o respeito até das decisões equivocadas de nossos filhos. O exercício do poder para que nossos filhos façam apenas o que queremos traz resultados imediatos, mas às vezes gera ressentimentos futuros. Uma família amiga possui uma casa muito luxuosa, com quartos privativos para cada filho e todo o conforto que um ser humano precisa. Um dia, um dos filhos simplesmente colocou uma mochila nas costas e saiu pelo mundo para uma vida incerta. Até onde sei, ainda não voltou. Salmos 127.4 diz que “os filhos são flechas”, e flechas existem para serem atiradas, não guardadas na aljava.
2. Confiar no que ensinou aos filhos (vv. 13 a 19). Agora o filho está longe dos seus olhos, totalmente fora do seu controle e não há nada que ele possa fazer, a não ser desejar que o garoto ponha em prática as coisas boas ensinadas em casa. É provável que o pai tenha passado noites em claro pensando onde e como estaria seu filho, pois não havia celular nem WhatsApp. Será que ele estaria praticando seus ensinos ou havia cedido aos apelos sociais e às influências dos “amigos”? Uma atitude que pode promover a amizade duradoura entre pais e filhos é a consciência dos pais de que fizeram o que era possível, com acertos e erros, como todo processo pedagógico natural. Mas é preciso ressaltar que, se houve algum excesso que os pais tenham consciência de haverem cometido, é necessário pedir perdão aos filhos para que se inicie a cura das mágoas produzidas no processo educativo. Como diz o Prof. Leandro Karnal, “educar, do ponto de vista freudiano, é estabelecer pequenos traumas superáveis”.
3. Acolher o filho, mais que seu comportamento (v. 20). O menino não sabia que a vida lá fora era tão dura, que o mundo era tão cruel. Então, “caindo em si”, lembrou de seu pai e sua casa de origem e resolveu voltar. Ensaiou um discurso que, provavelmente, recitou envergonhado e cabisbaixo. Mas parece que o pai estava tão alegre com a volta do filho que nem ouviu as palavras. Ele apenas “correu para seu filho, e o abraçou e beijou”. Não lançou no rosto do filho o velho ditado com ar de superioridade: “Eu lhe disse que não ia dar certo”. Aquele pai era diferente. Ele pede roupa nova para o rapaz, anel para o dedo, sandália para os pés, manda matar o novilho cevado, convoca os músicos para tocar e dá início à festa (vv. 23-24). Uma atitude que pode promover uma longa amizade entre pais e filhos é olhar para o filho como um ser humano, uma pessoa, mais do que para suas atitudes, quer sejam certas ou erradas. Quantas vezes fui grosseiro com meus filhos porque queriam dormir na cama conosco, porque derramaram suco na mesa ou deixaram uma lâmpada acesa. Eu estava olhando para um simples comportamento errado, sem levar em conta os lindos seres humanos que o Senhor me presenteou para cuidar. Esse pai sabe amar sem ser amado e até mesmo sendo rejeitado. Ele é a figura do nosso Pai amoroso, que olha para o que há dentro de nós e não apenas para o que fazemos.
4. Tentar não fazer acepção entre os filhos (vv. 25 a 31). Aquele pai amava o filho inquieto, rebelde, injusto, gastador, aventureiro e amava igualmente o outro certinho, disciplinado, obediente às normas da casa, mas igualmente infeliz. Ao se sentir preterido, o filho mais velho foi reclamar do pai com um sentimento de indignação: “Eu te sirvo, jamais transgredi uma ordem tua, nunca me deste um cabrito...”. O mais novo era ousado, atirado, mas o mais velho se sentia escravo do pai e não filho. A atitude do pai foi tentar mostrar ao filho que se sentia preterido que ele era tão amado quanto seu irmão e conscientizá-lo da sua filiação (v. 31). Quando fazemos acepção entre nossos filhos, corremos o risco de magoá-los e construir uma barreira que pode afetar essa amizade. Quando tratamos todos os filhos com amor, a possibilidade de uma amizade duradoura é maior.
Pais e filhos, amigos para sempre. Isso é possível? Sem querer dar a última palavra no assunto, creio que sim, desde que entendamos que crianças e jovens são inquietos, cheios de expectativas e sonhos em relação à vida; que façamos o melhor pela educação dos nossos filhos, olhemos para eles como seres humanos que acertam e erram; e, finalmente, não façamos acepção entre eles.
Seguindo esses passos, é possível que tenhamos nossos filhos como amigos para sempre.
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